segunda-feira, 3 de junho de 2013

Você já foi assaltado?

   Eu fui pela primeira vez no dia 28/05/2013.
   Quem já visitou a Sala São Paulo, o Memorial da Resistência ou a Secretaria da Cultura vindo da Estação da Luz, sabe que ali, no coração da Cracolândia, a visão é aterrorizante (diariamente). É lá que eu trabalho.
   Como eu faço todos os dias, saí do trabalho às 15h e estava a caminho da Estação. No trajeto tem um semáforo, que fecha muito rápido para o pedestre e demora muito para abrir. Foi aí que tudo aconteceu.
   Fui obrigada a parar no sinal vermelho porque o fluxo de carros estava intenso. Ouvia música, mas nunca baixo a guarda quando estou por lá, e vi, do outro lado da rua, a moça com moletom cinza atravessando entre os carros na minha direção. Vi sim, e desviei para o lado, pra não ficar no caminho dela.
   Ainda assim senti um esbarrão e recuei ainda mais, mas não muito, pois como ali é uma ilha, ou seja, não é uma calçada contínua, pois fica entre duas ruas com farol. Percebi que ela veio junto, e então me dei conta do que estava acontecendo. Olhei bem para ela, pra entender o que ela estava falando:
    -Não corre que é melhor.
   A mão dela estava na bolsa-que eu ainda trazia nos ombros- e a outra estava nos bolsos, de modo que eu não conseguia ver o que ela tinha como arma. Posteriormente descobri que nada, mas ali, naquele cenário onde reinam o vício, o crack, a prostituição e doenças, eu não quis arriscar me deparar com uma faca contaminada com AIDS. Ela falou:
     -Vem aqui rapidinho.
   E foi então que me apavorei e soltei a bolsa do braço. A moça ia seguindo seu caminho quando um homem que estava atrás dela falou para eu dar o celular também. Nas mãos, eu tinha o bilhete único e o crachá do trabalho que eles não pegaram.
   Depois que eles saíram-calmamente-, uma garota de programa que viu o assalto do outro lado da rua, me gritou e aindicou para eu ir na Guarda Municipal Metropolitana pedir ajuda. Fui na direção apontada chorando e, vendo aqueles moradores de rua, fiquei com medo e voltei. A moça gritou novamente:
   -Vai lá moça, tem a guarda ali! Não deixa não!
   -Tô com medo!- eu disse.
   Um grupo de adolescentes se aproximava do farol e dois deles, ao verem meu desespero e a pedido da moça, me acompanharam até a GCM, que ficava a menos de 20m de onde tudo aconteceu.
   Entrei na sede chorando e tremendo, e só conseguia falar o quanto eu trabalhei para ter tudo o que haviam me roubado. Asmática e cardíaca, comecei a passar mal. Os guardas, extremamente competentes, me aliviavam e tentavam tirar as informações necessárias.
   Depois de calma e de ter avisado meu namorado, me colocaram em uma viatura, e saímos para tentar fazer uma identificação. Foi como nos filmes: informação pelo rádio, sirenes, corrida na contramão e travessia no eixo central.
   Foi passada a informação de uma moça vendendo um celular na Praça General Osório, e para lá fomos.
   Lá, reconheci a moça que me assaltou, já sem o blusão e com os cabelos a mostra. O moletom, ela trazia amarrado nos quadris. Os policiais acharam no chão, numa sacola, meu estojo de canetas, de maquiagem (sem o espelho), o post-it e os dois cadernos. Óculos de sol, o item mais caro que eu tinha, ela vestia, mas a caixa se perdeu. O celular, sem os chips, foram encontrados com outro homem, um senhor de 70 anos, com outros 3 celulares, todos na mesma situação que eu. A bolsa e outros pertences como minha carteira, meus documentos, cartões e uma nota de 5 reais, foram perdidos.
   A moça ainda trazia em seu pescoço o cordão de Identificação de onde trabalho, que estava na bolsa e trazia um molho de chaves que também não foi recuperado. Ela e esse senhor foram presos em flagrante. O homem que estava com ela, conseguiu fugir.
   Na delegacia, depois de assinar toda a papelada, confirmei o que já sabia: ela, usuária de crack, pegou minhas coisas para trocar pela droga.
   Agora escrevo, porque esta é a segunda noite que não consigo dormir. Sinto o sono e o cansaço, mas ao fechar os olhos, tudo o que vejo é aquela mulher me tirando tudo o que eu tinha em segundos.
    Algumas coisas foram recuperadas, sim. Mas o presente que foi a bolsa, minhas utilidades, muita coisa que tem ainda mais valor para mim que o celular o os óculos, se foram. A dor, no final, foi ver minhas coisas, pelas quais eu trabalhei e trabalho tanto para ter, me serem tiradas para virar um pedacinho de pedra que não vale nada. E pior, ouvir dos Direitos Humanos o quanto essas pessoas são Vítimas do crack.
   Não, não são vítimas. O vício é uma doença, mas não como a gripe, câncer ou Alzheimer. Só usa drogas quem quer. Independente de classe social, escolaridade, relação familiar, ninguém é obrigado a experimentar crack, maconha ou cocaína. O crack, qualquer droga, destrói vidas sim, mas não constitui vítimas. Sei que vão me chamar de egoísta, mas questiono o quão altruísta esta moça foi.
   Quanto aos Direitos Humanos, não houve um representante sequer para me ajudar quando passei mal na delegacia, dar apoio no estresse e pressão que é na delegacia, nem me perguntaram se estavam bem ou mesmo estão aqui na segunda noite que estou sem dormir. Por outro lado, já havia alguém para reclamar na delegacia que o senhor que foi preso por receptação (comprar objetos fruto de roubo ou assalto), com 69 anos de idade, por ser idoso não deveria aguardar julgamento preso, ainda que houve o flagrante.
   Então são vítimas a mulher por ser viciada em crack e o senhor por ser idoso e eu, por ser jovem, sem vícios e trabalhadora, tenho que pensar no que é melhor para eles, pois como tal, sou capaz de trabalhar tudo de novo para recuperar o que me foi tomado. E como não o faço, sou a vilã por reclamar os meus direitos e querer, no mínimo, que se faça justiça? Assim como a polícia, que foi tão atenciosa, prestativa e competente, que fez a parte dela, o que pôde para recuperar o que agora está comigo?
   Pensa bem, Brasil. O sistema carcerário no Brasil é falho, em São Paulo é ainda pior e eu reconheço isso. Mas não é por causa disso que criminosos não devem ser presos e pagar pelo que fazem, enquanto esperamos que tudo seja consertado. Se no momento, este é o sistema que vai abrigar a mulher que me assaltou e o cara que receptou as coisas e encoraja os atos dela, então que seja!
   Sei que poderia ter sido pior. Que eu poderia estar machucada ou morta. De fato, não é pelo material. Mas sinceramente, cortes e dores saram e cicatrizes são para sempre. Mas aquela que fica atormentando pra sempre, não é a da pele, e sim a da mente.
   Esse foi meu primeiro e espero que último assalto, do qual eu não vou esquecer. Espero conseguir voltar a dormir tranquila logo. Acontece com todo mundo, sim, mas a primeira vez é sempre a pior e mais traumática.

- Texto escrito na madrugada do dia 30/05.

P.S: Naquela noite, só consegui dormir depois das 4h, quando não resisti ao cansaço, e somente após deixar as luzes acesas. A noite seguinte foi mais fácil, e posteriormente, tudo voltou ao normal. Exceto por hoje, ao ter que voltar ao trabalho. Não conseguia sair da estação da luz, e tive que pedir, chorando e tremendo de novo, para uma policial militar me acompanhar até o trabalho. Vamos ver para ir embora.