domingo, 11 de maio de 2014

Aprendam.

   Ele era tudo que eu sempre quis. Tudo que eu nunca achei que eu teria. E eu levava uma vida perfeita.
Não foi difícil me apaixonar por ele... E é só ler uns textos abaixo pra tentar entender o que eu sentia. Eu me sentia completa, amada, cuidada. Era ele preenchendo um hiato na minha vida. Mas foi um caminho que quase não teve volta.
   No começo era até bonitinho aquele ciúme todo. "Aw, ele gosta de mim", "ele é inseguro, vai melhorar quando vir que eu só tenho olhos pra ele", etc. A princípio o problema eram os meus amigos que eu já tinha beijado.
   "-Eu não vou não, não quero olhar pra cara dos teus ex."
   "- Não são meus ex, foram só uns beijinhos, nada demais. Deixa disso"
   "-Eu não vou não! Se você quiser ir, vai. Só não se dê ao trabalho de me procurar depois, que eu não vou querer saber."
    E a menina apaixonada não foi. Nunca mais iria.
   Depois veio a implicância com todos os amigos homens, inclusive aqueles que ele também era amigo. E depois as amigas também. E depois a minha família. E depois, todo mundo.
 
   Nos primeiros meses, estava tudo bem. Nova do jeito que eu era, até meio imatura, achei que poderia conviver dentro daquela bolha, daquele mundo só meu e dele. Mas o tempo foi passando, e eu fui percebendo que o mundo não era nosso, era dele: as regras dele, os gostos dele, as vontades dele. Fui sendo manipulada pra me encaixar nisso, e o pior, eu estava consciente daquela manipulação. Eu aceitava tudo por um motivo que achava muito nobre àquela altura: amor. Queria evitar as brigas, as birras, os gelos. Mas mesmo assim, nada adiantava. Sempre tinha um motivo: uma palavra errada que falei, uma olhada que eu dei pros lados, um colega de trabalho que me adicionou no facebook, uma blusa branca, um shorts acima dos joelhos. TUDO ERA MOTIVO PRA CARA FEIA.
   Fui me tornando meio amargurada. Fui perdendo o gosto de me arrumar, me maquiar, porque sabia que ele nunca me elogiaria, pelo contrário, diria que tudo aquilo era pra qualquer um na rua. Ia ser motivo pra briga, então deixava pra lá. Perdi a vontade de me declarar pra ele, porque:
   -"Você tá muito carinhosa hoje, o que você fez de errado?"
   E dá-lhe mais uma briga homérica.
   Já tava exausta. Não sentia mais aquele frio na barriga pra encontrá-lo. Não tinha tesão pra absolutamente nada. Eu só tinha vontade de dormir, porque eu sabia que dormindo, eu nunca daria um motivo pra gente brigar. Prestem atenção no meu pensamento: "EU NUNCA DARIA UM MOTIVO PRA GENTE BRIGAR". Eu realmente acreditava que eu dava os motivos. Mas isso seria por pouco tempo.
    Mais pra frente, com tantas brigas que eram banais, aumentar a voz e jogar na minha cara todas as minhas fraquezas não era o suficiente. A coisa ficou física. E era sempre a mesma coisa: lágrimas de ódio, sangue, lágrimas de arrependimento, lágrimas de tristeza. Eu sabia que aquilo era demais. Mas peço que se coloquem no meu lugar.
    Sem família, sem amigos, sem apoio, porque eu larguei tudo por ele. Ele era tudo que eu tinha, e nós dois já estávamos tão presos àquele mundo, que era impossível imaginar uma vida fora daquilo. E eu fui me agarrando a isso. Eu acreditava que aquilo não aconteceria mais um dia, que as coisas iam ficar boas um dia. Eu acreditava, e eu queria isso. Eu o amava muito, e dava toda a minha energia pra que todo aquele sofrimento acabasse. Porque eu sei que ele também não estava bem, que aquilo também não era bom pra ele.

   Mas eu falhei. As coisas só foram piorando. A insegurança dos dois foi aumentando, e a convivência era complicada. Muitas idas e vindas que não duravam nem 24 horas. Muito sofrimento. Pouco sexo, poucos beijos, poucos abraços. Brigas demais.
    Chegou um ponto em que a admiração acabou também. Eu passei a ser comparada com garotas famosas da tv.
   -"Se você fosse magra assim você seria perfeita."
   -"Você não era gorda assim quando a gente começou a namorar"
   -"Por que você não alisa o cabelo? Não gosto muito de cabelo cacheado"
   -"Troca de shampoo. Esse de melancia tem um cheiro muito ruim. Por isso não vou deitar com você hoje."

   Um dia eu não aguentei. Eu sentia amor, mas não era mais o suficiente. Eu realmente não queria mais aquilo. Eu cheguei no limite.
Terminei, fui viver a minha vida. Fiquei com um menino que eu achava bonito, e ele ficou sabendo. Ele sumiu. Não atendeu mais minhas ligações, fugia de mim. Deixei pra lá, então.
 
   O primeiro dia na faculdade sem ele foi horrível. Era como se eu não conhecesse mais ninguém. Depois de dois anos, as panelinhas já estavam feitas, e eu estava de fora. Mas com o tempo eu fui me ajustando, eu fui me (re)encontrando. Fiz novas amizades com velhos conhecidos e recuperei alguns grandes amigos. Perdi definitivamente outros, também. E é pra esses que eu escrevo agora.

   Existe um divisor de águas na minha vida, e ele tem nome, idade e endereço. Depois dele na minha vida, eu me tornei outra pessoa, e sem ele, eu sou alguém muito melhor do que era antes dele.
   Eu aprendi com os meus erros e os erros dele. Eu aprendi o valor da liberdade, eu aprendi a ter controle sobre o meu corpo, minhas idéias, vontades, minha vida. Aprendi que um amor não vale uma amizade. E aprendi a não julgar ninguém, porque só a gente sabe como é a nossa vida.
   É fácil apontar o dedo pra mim e dizer que eu mereci tudo o que eu passei com ele, que eu fiz as esolhas erradas, que eu só fiz merda. Mas me deixa perguntar uma coisa: se as coisas tivessem dado certo, se eu tivesse tido filhos e um casamento, eu ainda teria errado em largar tudo por ele? Reflitam.
   Um antigo amigo, que hoje não quer me ver pintada de ouro, disse que se decepcionou comigo por eu ter "virado mulher de traficante". Mas sabe, é fácil falar que eu deveria ter terminado na hora, que eu deveria ter denunciado. Eu vivia falando isso também. Mas quando você vive aquilo, é outro mundo, é outra dimensão que vocês, que estão de fora, nunca vão saber. Não era "mulher de traficante", até porque ele não vendia drogas, e nem todo traficante deve bater na mulher. E acreditem:  NENHUMA mulher gosta de apanhar, e se ela aguenta isso sem tomar uma atitude drástica, acredite: ela NÃO é covarde, ela tem motivos pra isso, e só está pensando na melhor forma de resolver as coisas. Pode ser estupidez, mas como eu disse, só quem já passou por isso sabe como é.
   Mas se vocês querem saber, a violência física nunca doeu mais do que a psicológica. As palavras doeram, e as marcas delas até hoje estão dentro da minha cabeça, diferente dos roxos no meu pescoço e no meu rosto. Ele utilizar as minhas fraquezas e os problemas meus, que eu compartilhei em um momento de confiança, pra me fazer mal e me ofender.... Isso me desmontou. Foi tipo meu mundo desabando. E confesso que essa pressão pesou muito mais na minha infelicidade do que a violência física. Lembrem-se disso quando forem fazer campanha contra violência doméstica: palavras podem doer mais do que tapas. Sem clichê. E pode levar ao suicídio se a cabeça da pessoa for bem fraca.

   Só que eu já tinha uma bagagem emocional bem desenvolvida pra lidar com isso. E eu consegui sair disso sem sequelas. E evoluí. Sempre fui de tirar o melhor de tudo o que acontece, mas nem tudo o que eu passei na minha adolescência me fez tão mulher quanto os dois anos que eu passei com ele.
   Eu perguntei antes, se ainda julgariam minhas escolhas erradas se eu tivesse casado e tido filhos, se as coisas tivessem dado "certo". Pois vou lhes contar uma coisa: AS COISAS DERAM CERTO. A mulher que eu sou hoje é graças à essa experiência, e eu passaria por tudo de novo, se tivesse a certeza de que continuaria a ser aquela garota que era antes.
   É claro que tive perdas irreparáveis. Claro que sinto falta de muitas coisas que deixei pra trás e não consegui recuperar. Claro que perdi dois melhores amigos que têm até hoje o vazio espaço no meu coração. Mas graças a tudo isso que eu passei, eu sei lidar com as consequencias das escolhas que eu fiz. E não depender de mais ninguém pra absolutamente nada.

   Então, me façam um favor. Quando encontrarem alguma menina em um relacionamento opressor, mostrem esse texto pra ela. Não tentem dar conselhos, não tentem apontar o dedo ou julgá-la, a menos que vocês saibam o que ela está passando. Caso contrário, moça, saiba: isso vai passar. Você vai perceber que não precisa dele, nem de ninguém, muito menos passar por isso pra absolutamente nada na sua vida. Você é boa o suficiente pra se reerguer sozinha, e seja forte, vá em frente, termine. E tenha certeza que tudo que você tá sofrendo agora, não vai ser em vão; Você vai crescer, amadurecer e aprender com isso, muito mais do que com qualquer outra coisa na sua vida. E daqui pra frente, se coloque acima de QUALQUER COISA na sua vida. Aliás, vocês, que gostam de julgar, aprendam isso também.